Há uma semana atrás... Por esta hora, esperava-te já para jantar quando recebi um sms teu a dizer que não vinhas... Não vinhas jantar... Não vinhas dormir... Não mais voltavas, senão para levar as tuas coisas...
Agarrei-me à minha màgoa, à minha dor, e delas absorvi as forças necessárias para por tanta roupa e calçado e outros pertences teus, quanto conseguia, em sacos...
Cada peça de roupa me levou a datas do passado... Ocasiões especiais... Casamentos... Festas... Natais...
Os teus perfumes, cheirei-os uma última vez...
Os teus sapatos, que sempre tiravas antes de entrar dentro de casa...
Os quadros e livros que te ofereci...
Os dvd's... Os teus cd's favoritos...
Meti-te dentro de sacos. Tu que eras Enorme para mim... Estavas agora dentro de sacos. Nunca pensei que coubesses. Eu tinha orgulho em ti... Tinha orgulho em usar o teu apelido no meu nome... Tinha orgulho em passear contigo de braço dado... De te apresentar a todos os meus amigos...
Como pudeste?
Fotografias.
Roubei-te uma fotografia nossa, já desgastada pelo tempo, que passeaste durante anos na carteira... Agora ela passeia-me a mente... Como eu tinha Felicidade, Orgulho, Amor, estampado na testa...
Foste o mar que derrubou todos os castelos de areia que eu construí durante estes anos...
Tu devias ser o segundo pilar da minha existência... E foste um sacana egoísta... Como pudeste?
Como consegues dormir de noite? Será que dormes?
Não, não te odeio... Mas desprezo-te... E sinto a tua falta no entanto...
Sinto falta que perguntes à minha mãe se já estava em casa, quando chegavas...
Sinto falta do teu lugar preenchido à mesa...
De vermos Tv juntos no sofá... Dos filmes depois do jantar...
Saudades do meu beijo de boa noite...
Saudades de "Para onde vais trabalhar amanhã?"
Saudades tuas...
Contudo, tinha saudades de ter paz...
As lágrimas um dia vão secar, não vou mais sorrir forçosamente...
Não vou dizer à minha mãe que estou bem quando não estou, e que sou uma super mulher... Porque não será necessário... Terei um sorriso verdadeiro, não mais mecânico.
Herdei dela uma força inabalável... Mas não a capacidade de amar um ser tão errante como tu.
Não sou melhor que tu, tenho o teu sangue no meu sangue, mas apesar das nossas semelhanças, sou orgulhosamente mais Humana que tu.
Demos-te mais oportunidades do que era aceitável... E tu deitaste a derradeira... A tua última chance por terra!
Só queria que tivesses agarrado o resto de dignidade que te restava e fosses embora como um Homem, não como um cobarde.
Não mereces o amor que eu te tinha, o orgulho. Não mereces a minha mãe.
Não mereces as lágrimas dela, tudo o que ela já sofreu no corpo e na alma por tua culpa.
Não mereces ela ter vivido uma vida em tua função... Não mereces nada.
O meu silêncio é tudo o que tens hoje. Silêncio envolvido em desprezo, que se vão abraçando e ficando cada vez mais fortes...
A felicidade não é a meta, é o caminho... E eu e ela temos um longo caminho a percorrer...
Quanto a ti, só espero que a vida que escolheste te preencha o suficiente, porque não contes mais com o meu amor, com o meu carinho para te preencher... Esgotaste-os.
E as minhas lágrimas também se hão-de esgotar, porque...
Esta é a última vez que choro por ti, pai...